quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

È difícil ser eu...

Feliciana sempre se sentiu como uma carta fora do baralho. Desde pequena, quando começou a ter consciência de si mesma, que desejava passar logo direita á velhice, sem ter de atravessar todas as atribulações, paixões, desilusões, próprias das outras idades. Os seus medos mais terríveis não incluíam a morte, mas sim não ter tempo para fazer realmente o que queria; E pior o perder-se de si própria quando deixar de ser escrava do dinheiro… Mas claro apesar do livre arbitro a vida continua a ser uma ditadura. Infelizes aqueles que pensam que controlam alguma coisa, descobrem sempre a verdade. Lá estavam os pensamentos, enquanto as antigas amigas pensavam no ultimo namorado, ou na roupa que vestir, Feliciana pensava em tudo e em nada. A sua cabeça é como uma esponja, e adora aprender, deslumbrar-se e descobrir. Como são belas as borboletas, as folhas no outono, o canto dos pássaros. Lá está, não percebe os outros, e os outros não a compreendem, claro que o que mais deseja é ser feliz ou traduzindo, ter momentos bons, de felicidade mas acredita piamente que todos á sua volta têm o mesmo direito a ter tudo de bom. Muitas vezes exclama: È difícil ser eu! Não só porque desde que acorda, até que se deita, tudo á sua volta corre o risco de ser destruído, porque sente-se a pessoa mais desastrada do planeta. Gosta de cozinhar, mas corta-se, gosta de passear mas perde-se, Anda de carro mas não se lembra onde estaciona, aí, é difícil ser a Feliciana… Depois existem os outros, porque é que fulano me deixou de falar quando me viu com um carro novo? Será que eu disse alguma coisa desagradável? Porque é que a outra me olha da cabeça aos pés, será que tenho alguma nodoa no vestido? Porque será que a senhora M me deixou de ligar, eu deixei de ir á sua loja por causa do covid, afinal era só uma relação comercial e não o nascer de uma amizade… Sempre tantas perguntas sem resposta… Outra coisa que ela não percebe, não entende, ela só tem duvidas, perguntas e os outros só têm certezas, ah pois cala-se. Agora já não se conversa, monólga-se, cada um querendo monólgar mais que o outro. Perguntam; Está tudo bem? Mas ninguém pára para ouvir a resposta! Tudo, tudo o que? Aí é difícil ser eu! Feliciana ás vezes pensa que é uma personagem que vive no livro errado. Como se todas as personagens se entendessem e a olhassem de lado. Depois veio a pandemia, e todos fizeram promessas de mudança, mas o ano já mudou, a vacina chegou e todos dizem que só querem esquecer 2020. Então Feliciana deitada nos seus lençois quentinhos, percebe que ainda não foi desta que encontrou cartas do seu baralho, ou ao livro a que pertence continua sozinha de pessoas parecidas com ela… Não vale a pena ficar triste, a gratidão mora no coração de Feliciana, e quentinha na sua cama entrega-se nos braços de Morfeu. BEIJÓCAS LARÓCAS DA VOSSA SISSI…